09/11/2010

Ubi sunt

Foto: Buida-sacs, G.N., 2010

Onde estão os rios da nossa infância?

23/10/2010

Os verdes e vorazes anos leitores

Foto: Casa de G. Bassani em Ferrara, GN, 2010

Acho que não há leituras como aquelas dos verdes anos para deixar uma marca indelével na memória. E digo memória, mas talvez não seja a palavra adequada, porque ás vezes nem recordamos a intriga. No entanto, não podemos esquecer a impressão que certos livros deixaram no nosso espírito, como já disse aqui a propósito de Clarice Lispector.

Na primaveira passada viajei a Bolonha, onde inesperadamente surgiu a possibilidade de visitar Ferrara, que não fica muito longe. Quando cheguei à cidade, diversos sentimentos se misturavam no meu ânimo: a satisfação de estar numa cidade belíssima e de conhecer o microcosmo de Giorgio Bassani, de quem li a obra completa no final da minha adolescência, e certo fastídio por não ter previsto este deslocamento e não tê-lo relido, em consequência, para localizar os lugares mais emblemáticos dos seus romances.  É sempre assim: flagelo-me durante as viagens por não ter tido muito tempo para prepará-las melhor...

Voltando a Bassani, e para quem ainda não o conheça, devo dizer que é um autor magnífico, capaz de descrever magistralmente a vida duma pequena cidade italiana e o drama dos seus habitantes judeus. Recomendo começar com O jardim dos Finzi-Contini, melancólica evocação dum certo estilo de vida e da indignidade das leis raciais na Itália. Quer dizer, a desaparição de todo um mundo com a chegada da Segunda Guerra Mundial. Existe também um filme baseado nesta obra e dirigido por Vittorio de Sica.

Enquanto passeava pela cidade, um pouco desiludida por recordar únicamente o nome duma rua, o Corso Ercole I d'Este, topei casualmente com una casa pintada de uma bonita cor amarela e uma placa na fachada... Quando me aproximei dessa placa, a adolescente de dezassete anos que fui voltou do passado e exclamou quase a gritar: É a casa de Giorgio Bassani! Tanta alegria espontânea satisfez visívelmente o cidadão ferrarês que caminhava perto de mim, e que sorriu surpreso com cara de estar a pensar que os turistas nem sempre são essas hordas bárbaras e iletradas do lugar-comum.

Tudo isto para dizer como é de bom conectar com aquele entusiasmo, aquele deslumbramento ingénuo da primeira juventude diante dos bons livros... 

06/10/2010

Clarice nos meios

Hoje, no suplemento Cultura/s do La Vanguardia fala-se de Clarice Lispector.

30/09/2010

Dia Internacional da Tradução

O que é que devem estar a pensar os tradutores/as neste dia? Sem medo de errar, acho que a maioria de nós deve estar a reflectir sobre o mesmo: o escasso reconhecimento e a invisibilidade da nossa lavor, as míseras tarifas que sofremos, os prazos de tempo impossíveis com os que trabalhamos ... Os agravos são inúmeros: eram muitos e a crise precarizou-nos ainda mais. Neste momento, mais que outra coisa, traduzir é uma vocação. Senão, como suportar as incertezas de uma ocupação mal paga e mal considerada?

Sem dúvida, o tradutor/a procura mais alguma coisa no seu trabalho, precisa de se exprimir, de 'reescrever' o texto que chega às suas mãos. Traduzir é, como diz Claudio Magris, una maneira de escrever: Naquela ocasião começou para mim alguma coisa nova: traduzir converteu-se propriamente numa maneira de escrever. Foi como se houvesse entrado numa dimensão que tenia a ver com a minha sintaxe, com a minha forma de ser. (in La traduzione d'autore, Pisa University Press, 2007).

01/09/2010

O rio de Heráclito o Obscuro e eu



Ainda que gosto imenso do Atlântico que banha as costas portuguesas, não posso deixar passar muito tempo sem visitar o Mediterrâneo, o mar por onde navega a minha alma. O ano passado começava este blog depois de voltar de mais uma viagem pelo Mare Nostrum. Este ano não foi diferente...

Desta vez, porém, em lugar de sentir a plenitude mediterrânica que vivo em cada uma destas minhas 'incursões', a visita a Éfeso (e as minhas curtas férias) me levaram a pensar em um dos seus filhos mais conhecidos: Heráclito. E com ele, esse rio que nunca mais vai ser o mesmo... Esse 'tudo flui, nada permanece' que me custa tanto aceitar.

Me diga alguém como suportar a vertigem que produz esse tempo que foge!

28/07/2010

Dia grande na Catalunha

Hoje, o Parlamento Catalão proibiu as touradas.
Finalmente vai acabar essa tortura indecente.

30/06/2010

Escrita criativa

Estou a ultimar um curso de escrita criativa que vou dar neste mes de julho. Enquanto andava a seleccionar o material que quero comentar com os meus alunos (todos eles professores e professoras) reencontrei esta frase do grande Gianni Rodari. Tomara que qualquer dia seja uma realidade.

"Todos os usos da palavra a todos" parece um bom lema, sonoramente democrático. Não para que todos sejam artistas, mas para que ninguém seja escravo.

Gianni Rodari, Gramática de la Fantasia

24/03/2010

Morreu José Maria Nunes



Traduzo, escrevo, reviso... Trabalho e mais trabalho, mas não vou me queixar do que agora é um luxo. Conto isto porque só posso dedicar uns minutos a este post, os imprescindíveis para dizer que morreu José Maria Nunes, cineasta de origem portuguesa, artífice da Escola de Barcelona e considerado precursor da Nouvelle Vague. Um criador independente: um criador com todas as letras. O vídeo de Youtube dá-nos também uma ideia da sua humanidade.

16/02/2010

Grandes momentos luso-catalães I

Acho que vou inaugurar estes grandes momentos luso-catalães com uns excertos do poema À Catalunha de Augusto Casimiro (Ed. Renascença Portuguesa, Porto, 1914).

Catalunha! Eu não sei.... À beira mar Atlântico,
Julgo ouvir tua voz dentro de mim cantar!
E é a tua voz que em mim ergue de novo um cántico
Que em teu regaço alguém decerto há de escutar!

E ante o Futuro, Irmã, que é nosso, e nesta hora
De sonhos, sentirás, trémula de esperança,
Saudosa, esta voz numa perpétua aurora,
Que a aliança de Amor é a melhor aliança!

04/02/2010

O Lusitano de Barcelona

Conhecer a Rosalía merecia um bon pano de fundo. A Rosalía é a filha da María, boa amiga e companheira de viagem: juntas iniciamos a aventura do doutoramento e juntas estamos a fazer também, infelizmente, a terrível travessia do luto pela morte do pai. Por essas coisas do destino as duas perdemos o pai da mesma doença e num breve espaço de tempo. Com ela, às vezes não é preciso nem falar....

Voltando ao cenário do nosso último encontro: os lusófilos temos agora em Barcelona um lugar bonito e acolhedor para degustar umas natas de Belém, um bom vinho do Porto e mais algumas delicatessen irresistíveis. Em O Lusitano, no coração do entranhável Poblenou, na rua Castanys 23, é possível matar saudades da maneira mais doce.

20/01/2010

Apetece dizer uma palavra


Sempre pensei que na vida real literatura e política casam mal: uma reclama sinceridade e a outra impostura, uma precisa de solidão e a outra de banhos de multidões. Chama-me a atenção por isso que num momento tão complicado para as ideologias e tão pouco propício para idealismos, Manuel Alegre volte a  ser candidato às presidenciais. Não consigo compreender como ainda não tem ficado desiludido com esse jogo de fingimentos e interesses. Se é assim, é de admirar.  No seu site diz que não acredita sequer na literatura... E pode acreditar na política? Apetezia-me ouvir os seus porquês.

04/01/2010

Mais um ano


Nestes primeiros dias do ano apanhou-me a saudade enquanto andava a fazer a minha lista de boas resoluções. É o segundo Natal sem o meu pai e as coisas não são como eram dantes (e provavelmente nunca mais vão ser...). Nesse estado de espírito não pude evitar pensar na sociedade que nos trouxe o século XXI: muito de bom, claro, mas também um monte de ideias, de atitudes e de práticas negativas que, essas sim, talvez vão ficar muito tempo.

Parece que os valores deixaram de ter importância, venceu a banalização. Também não importam o conhecimento e a experiência, prefere-se a imagem e o marketing. O trabalho bem feito é uma excepção, e não a regra. A criatividade já viveu momentos melhores: agora é só reciclá-los e reutilizá-los. Para não falar em coisas ainda mais importantes: da indiferença para com a dor alheia, por exemplo. Mudamos de século mais não nos fizemos mais humanos. Ao contrário, a barbárie está a volver com mais força em alguns momentos. Tristemente poderia continuar e não diria nada que vocês não saibam, mas vamos ficar por aqui e tentar encarar o próximo ano com esperança.

Espero que as boas resoluções das boas pessoas voltem a incluir tudo aquilo que nos faz melhores, mais sábios e mais autênticos. Feliz 2010!